domingo, 13 de março de 2022

TRÊS PEDAIS DO CONTROLE E DA PERDIÇÃO

 solta a embreagem até o volante tremer

libera ela devagar... Devagar.

Morreu. Era pra você ter soltado a embreagem devagar

olha aí, você tirou todo o pé.


antes daquele cruzamento faz uma parada pra mim.

Liga a seta pra direita. Direita, isso é esquerda.

Vai parando, parando... Porra!

Cê tá freando brusco demais!


desenvolve a terceira, quebra-mola, volta a segunda

isso... mantém a velocidade pra mim, vinte tá bom

cuidado com os menino ali na frente

Cê tá fundando o pé no acelerador! freia! 2015

quarta-feira, 10 de julho de 2019

NOSSO ABRAÇO HORIZONTAL (para Y.L.)

Nosso abraço horizontal
mudo, quente, longo
criou em mim a intimidade
da memória. Sem olhar, reconhecia
que você era você.
Qual a alegria, quando soltava seu peso
sobre o meu
e ficava...

quarta-feira, 21 de março de 2018

Vou à janela da minha sala
Espiar as janelas do prédio
vizinho.
Procuro nos quartos iluminados
Alguém a trocar olhos
comigo.
Vejo corpos, vejo cenas,
Mas olhos não vejo.
As Almas que se postam à janela
Apagam suas luzes
Para testemunhar a Natureza,
Sem serem testemunhadas.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

CAMPANHA DO PÃOZINHO

Nas noites de domingo, saíamos em campanha para oferecer pão e toddy aos moradores de rua. A rota, pelo baixo centro de Belo Horizonte, procurava atender ao maior número de moradores. Da Galeria do Ouvidor, descíamos para a Praça Rui Barbosa e seguíamos para a rua Guaicurus, finalizando em frente à rodoviária, no grande monumento em L da Afonso Pena.
Numa dessas noites, de atmosfera mais pesada, encontramos sentado num dos bancos da Rui Barbosa, um homem negro e bem vestido, com suas mãos na mochila. Olhava para o chão. Aproximamo-nos, desejando boa noite e oferecendo o pão. Aceitou dizendo que não estava sendo uma noite fácil, acabara de ser assaltado por um colega de rua. Por não encontrar nada, o assaltante com uma faca cortou seu pescoço e abriu uma ferida sem sangue.
Por dentro, uma carne rósea e úmida, brilhante como a carne de salmão. A praça mal iluminada tinha árvores que impediam o luar passar. O rosto negro do homem aparecia e desaparecia na escuridão. Seu corte rosa quartzo abriu toda claridade de um universo que se esconde na sujeira da rua.
Faço ideia a ardência dos cortes superficiais proferidos com raiva. A faca, sem encontrar algo de valor, quis então se manter na lembrança do outro. 
O homem me contou sua história.
Pelas caminhadas que já fiz pela Campanha do Pãozinho, percebi como a horda de moradores de rua não é homogênea. Carecem de espaço de fala e espaço pra narrar. Nesta noite de atmosfera mais sombria, o homem parecia não se importar com o incômodo da ardência, narrava com calma e empenho os fatos recém-sucedidos.
É tempo da Verdade
(que já está)
É tempo dos ventos tranquilos,
de noites silenciosas,
de corações dormindo.
É tempo do langor
preguiçoso e consciente,
das importâncias que restam.
É tempo de olhar e fechar os olhos,
escutar o Silêncio.

AMIZADE

Sempre à sombra,
cultivada em segredo
cresce sem glórias, paciente,
o pouco alimento lhe é muito:
o verdadeiro é saciável.
Não confere ao portador exclusividade
de prazeres e alegrias:
todos carregam um amigo.
A amizade floresceu no solo
de outras nobres virtudes.
ó cobrinha enrubecida por timidez
sai da toca agora, vem,
conversa com os outros animais.
Abra a bocona de seus dentes
notáveis de reputação solene.
Aprende o poder do que lhe foi dado


Cai em vivência dos ombros soltos,
e mandíbulas relaxadas,
veneno é usado quando tem de usar:
hoje em dia ninguém morre de veneno de cobra:
menos mal.

És sensível à dor alheia,
desde que começara a ler muito.
Está tudo bem,
podes sair e brincar com as borboletas.